ONDE ESTÁ MUTATIS MUTANDIS?
— As pessoas só desejam ter uma vida calma
Eu sempre achei curioso como são continuamente discutidas as relações de poder entre indivíduos e seus desejos idiotas de manipulação; onde o mesmo antigo modelo de controlo é constantemente ativado pelo tão conhecido “big man”. O século XXI tem passado por um tumultuoso período e talvez seja altura de repensarmos a nossa localidade e a forma como nos posicionamos no mundo, mas mais importante ainda será como aceitar singularidade de cada um
00:00:15 | a receber … Durante estes últimos tempos a Europa tem sido um ponto de atenção, com um tema pouco doce —‘a crise de refugiados’, onde o humano é tomado como moeda de troca para justificar decisões politicas e económicas. Esta Guerra dos Tronos que se joga na Europa é uma autêntica telenovela mexicana, onde líderes jogam primorosamente segundo as suas aparentes necessidades, enquanto os outros são submetidos a violência proveniente de outras frentes do conflito.
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De acordo com a Comissão Europeia, mais de 65.6 milhões de pessoas no mundo precisam de proteção e assistência como consequências do seu desalojamento, quer sejam refugiados ou aqueles que aqueles que procuram asilo dentro ou fora de fronteiras. Somente em 2017, 40.3 milhões de pessoas foram desalojadas como resultado de conflitos, metade dos quais são refugiados. No ano passado, a Ajuda Humanitária e Proteção Civil da UE, disponibilizou aproximadamente 2 milhões de euros a 56 países que estivessem a desenvolver projectos para ajudar pessoas deslocadas, o que de certo modo, permitiu à Europa receber mais de 1 milhão de pessoas. Deste número 370.000 chegaram por mar:,173.000 chegaram pela Grécia e 167,000 pessoas chegaram à Europa por Itália. Infelizmente mais de 5.000 pessoas faleceram no Mar Mediterrâneo. Enquanto o sentimento anti-refugiados cresce na Europa e EUA, existem países economicamente mais ricos, como o Japão que dificultam o processo de imigração, erguendo ainda mais as suas fronteiras. Das mais de 99% das 8.193 candidaturas efectuadas por refugiados no Japão, apenas 28 pessoas foram aceites. Por outro lado, , Portugal já repensou o número de refugiados que pode receber no seu território — passando de 4.000 para 10.000 pessoas. No entanto e devido a burocracias Europeias, apenas 720 pessoas escolheram Portugal como a sua casa.
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O projecto “3041,19 KM” do artista Pedro Pires, começa exatamente em 2016 quando o artista decide voluntariar-se e trabalhar com a NGO ERCI na ilha de Lesbos, na Grécia. Este lugar recebeu na sua costa mais de 67.000 refugiados que fugiam da guerra, violência e instabilidade económica dos seus países. Durante este período o artista presenciou todo o processo de como estas pessoas chegam, são recebidas e são acolhidas pelas diversas agências não governamentais em Lesbos, bem como todas as emoções contraditórias que advêm desta rotina diária em Lesbos.
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Pedro Pires durante esta residência em Lesbos costumava esperar horas sentado no carro, apenas olhando o horizonte negro do mar, com a esperança de ver uma luz a cintilar… no momento em que se avistava a luz, significava que um barco cheio de pessoas se aproximava da costa de Lesbos, e que tudo tinha que estar pronto para recebe-las — Pessoas, homens, mulheres, crianças chegavam encharcados, cheios de frio e esfomeados, mas sempre com um bater cardíaco de sentimentos duais: medo e felicidade. Nos medias são partilhadas inúmeras histórias de pessoas que simplesmente desapareceram enquanto buscavam a felicidade do outro lado da margem. Também nos chegam relatos de humiliação durante os processos de registo oficial. O projecto “3041,19 KM” também pode ser encarado como uma reflexão sobre as relações emocionais entre os diversos países europeus face à forte presença de refugiados, pensando também no seu impacto na demografia europeia. A instalação “os cidadãos” claramente aponta os supostos actores principais desta chamada “Crise”. Retratos de figuras políticas são colocados lado a lado com representações de imigrantes, cidadãos Europeus e anónimos, desnivelando quem tem o poder e controlo nesta história, ao colocar exatamente com a mesma altura e peso cada individuo representado. Curiosamente, o artista, nesta instalação também faz uma ponte simbólica entre o famoso poster de Obama Hope de Shepard Fairey, que é um dos símbolos do Presidente Obama quando foi eleito nos EUA. Esta associação metafórica, interroga o que será o futuro da Europa e qual o seu papel, incitando o público a identificar quem é quem, estimulando cada um de nós a posicionar-se como actor desta mediática telenovela europeia. Mas, mais importante, estes oito retratos demonstram que cada um de nós tem uma responsabilidade social, política e humana para o que acontece no seu território.
07:03:25 | a chamar…
Durante este período, Pedro Pires observa o quão efémero e dispensável tudo é em Lesbos — dos coletes salva-vidas que são atirados para o chão mal as pessoas saem dos barcos, ou os cobertores dourados de emergência que são usados por um período máximo de cinco minutos (…) roupas molhadas, papéis, ‘bilhetes’, sacos de plásticos, tudo é abandonado na costa de Lesbos. Uma paisagem de lixo é construída com estes objectos carregados de memórias passadas, de indivíduos que decidiram arriscar outra vez as suas vidas para atravessarem o Mar Mediterrâneo. Muitos destes objectos despojados foram recolhidos pelo artista, como se os mesmos se tratassem de artefactos arqueológicos que ele posteriormente trouxe para Portugal. Foram depois transformados ou não, apresentados como peças museológicas e consequentemente elevadas a obras de arte. Esta longa instalação de objectos repudiados, evoca a força da arqueologia, como uma ciência que analisa o passado, através de objectos, comportamentos e crenças que poderão ser usadas para compreender o presente.
A justaposição destas duas grandes instalações “Entre Margens” e “Os Cidadãos”, enriquece e contrabalança um diálogo consciente entre o “nós” e o “outro”, ao incorporar simultaneamente todas as memórias que eles evocam.
Recentemente, um vídeo no Youtube atinge em minutos mais de 30.000 visualizações. Um vídeo que mostra um jovem de 18 , a tentar devolver uma carteira com cerca de 1500 dólares com o auxílio de uma câmara de vigilância, pois o dono da casa estava apavorado com a possibilidade do jovem ser um assaltante. Este acontecimento revela tristemente o medo que a maioria das pessoas sente face ao “outro”, pois os actos de bondade são autênticas raridades nos tempos de hoje. Como o filósofo Slavoj Žižek brilhantemente esclarece, o “outro” é aceite, mas apenas e até onde a sua presença não é intrusiva. Enquanto o outro não é mesmo o outro. Incidentes como estes evidenciam que ainda existem pessoas (“outras”) com boas intensões.
10:08:30 | chamada terminou…
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3041,19 KM é uma exposição que nos alerta para o facto de vivermos num estado latente de emergência e, que todos nós devemos estar atentos e sermos responsáveis perante as nossas decisões e ações enquanto cidadãos.
Referência ao video Youtube : https://www.dailydot.com/irl/teen-surveillence-camera/
Texto de Inês Valle, 2017