A multiplicidade do ser está na linha da memória – Artista plástica lusa inaugura exposição de arte inspirada em Biologia

By 10/01/2013Media

“Quem somos nós, se as nossas memórias se alteram todos os dias?”, questiona Joana Ricou. A artista plástica portuguesa radicada nos Estados Unidos, cuja formação base assenta em Arte e Biologia, inaugura a sua primeira exposição individual em Portugal, na galeria Edge Arts (Lisboa), no próximo dia 15 de Janeiro, pelas 18h30 e estará patente até dia 15 de Fevereiro. O tema da mostra «Um, Nenhum e Cem Mil» é baseado na memória, especialmente inspirado numa última descoberta que atesta que a cada vez que lhe fazemos apelo, esta se vai alterando, ou seja, “cada vez que lembramos, as sinapses vão mudando”, refere ao jornal «Ciencia Hoje». Joana Ricou iniciou a sua formação num laboratório de neurociências, onde nasceu o seu fascínio por uma área “que ilustra as descobertas consequentes que nos ajudam a entender-nos a nós próprios e às nossas fundações biológicas”. “Quando formamos memórias, há uma quantidade de informação que é guardada conscientemente, por exemplo, se conhecemos alguém queremos lembrar o seu nome, o seu rosto, etc. e, outra parte, é lembrada de forma aleatória, como a cor do seu casaco; existe também informação que vamos perdendo”, assevera. Em «Um, Nenhum e Cem Mil», a esteta lusa representa, numa única tela, imagens da mesma rapariga como se, de forma fragmentada, os seus movimentos fossem seguidos ou como se os diferentes ‘frames’ de um filme acompanhassem e revelassem momentos episódicos do seu percurso, explorando uma espécie de “necessidade de continuidade e o estado natural de multiplicidade do corpo e da mente, entre mudança e constância, identidade e efemeridade”. “A biologia da memória reverte para lembranças de momentos descontínuos, é episódica e plástica (manipulável)”, acrescenta Joana Ricou, referindo ainda que a imagem mostra no fundo “momentos neutros de passagem do tempo”, ou seja, “um determinado segundo e o seguinte e o seguinte, ou seja, informações que estamos a tentar guardar e que muitas vezes se perde durante o processo de transferência”. Segundo a artista portuguesa, são representações de quando “tentamos ligar um momento a outro num esforço contínuo e a forma como lidamos com a descontinuidade da memória, quando olhamos para trás, para o passado ou nos agarramos ao futuro por não querermos lidar com o presente, por exemplo”, conclui.

Apelar à memória sobre gravilha
Tendo estes eixos temáticos como ponto de partida, Joana Ricou apresenta nesta mostra a série de pinturas figurativas Multitudes, trabalhos abstractos da série Henrietta Lacks ou células imortais HeLa e as instalações «62 Kilos» e «Memory Lane», desenvolvidas como peças site «specific» para o Edge Arts. O Memory Lane é representado por um caminho feito em gravilha e nesta instalação as pessoas são convidadas a caminhar sobre o piso enquanto relembra. À medida que vão andando, a gravilha vai-se alterando – o que remete para o próprio processo de alteração e manipulação da memória. A exposição conta também com artistas convidados – um vídeo-performance de Beatriz de Albuquerque, artista portuguesa a residir em Nova Iorque, o vídeo-documentário «The Orpheus Variations», criado pelo «The Desconstructive Theatre Project», sob a direcção de Adam J. Thompson e Upside Duck, de Glenn Wonsettler. Sobre o tema da memória, destaca-se ainda a presença do filme de João Chaves, «In-perfect Memory (giving birth to a world)». Para além da peça multimédia, os trabalhos são em madeira, óleo e papel e podem ser vistos de segunda a sexta-feira, das 14h às 20h e ao sábado das 12h às 16h.

Ciência Hoje