A filosofia é a mais prática das disciplinas

By 17/09/2016Media

PAULO JOSÉ MIRANDA POETA E ESCRITOR

José Cabrita Saraiva

Entre 20 de setembro e 13 de dezembro, decorre o curso de iniciação à Filosofia Grega Clássica. Treze sessões, organizadas pela Edge Arts – Arte Contemporânea e conduzidas pelo poeta e escritor Paulo José Miranda, para conhecer as origens do pensamento ocidental e os principais autores da filosofia grega clássica.

A filosofia é uma criação integralmente grega ou recebeu contributos de outras civilizações anteriores, como a egípcia, por exemplo?

A filosofia é um modo de pensar estritamente grego, independentemente das influências que possa ter tido de outras culturas. Há vários modos de pensar, desde a índia à China, passando também pelo Egito. E a filosofia é apenas um desses modos de pensar. Mas é um modo de pensar diferente, mais técnico e específico. É um modo de pensar que encontra no verbo ser o seu motor propulsor. A filosofia não se reduz a uma reflexão em torno do verbo ser, evidentemente, mas ele é o seu motor. E que marca o que se irá chamar de pensamento ocidental. Os gregos antigos inventam simultaneamente, ao longo de três séculos, quatro disciplinas: a epistemologia, a lógica, a ontologia e a metafísica.

Quem foi o primeiro filósofo de que nos chegou o nome?

Tales de Mileto, na parte da Grécia Oriental, onde fica hoje a Turquia. Embora o primeiro texto de filosofia escrito chegado até nós seja de Anaximandro, também de Mileto e contemporâneo de Tales.

Aristóteles foi o precetor de Alexandre. Os filósofos eram considerados pelas elites? Faziam eles próprios parte da elite?

Referimo-nos a um tempo muito diferente do nosso, pelo menos aparentemente, onde havia escravos, derivado das guerras, que faziam quase todo o trabalho braçal. O povo era fundamentalmente artesão e agricultor. A filosofia, por outro lado, quando aparece, torna-se uma prática de quem tinha tempo. Por conseguinte, os filósofos eram parte das elites, sem dúvida, embora Aristóteles, contrariamente a Platão, não fosse um aristocrata, era filho de um médico, que era amigo do Rei da Macedónia. Mas para Platão a verdadeira aristocracia era a do pensar. A busca da verdade era a verdadeira tarefa do aristocrata. Neste sentido estamos muito longe dos Gregos.

Se tivesse de recomendar apenas um livro para quem queira formar uma ideia do alcance da filosofia grega, qual seria?

Recomendaria três livros que nos podem dar uma dimensão da cultura grega e da sua importância: o incontornável Paideia, de Werner Jaeger; Os Filósofos Pre-Socráticos, de G.S. Kirk e J.E. Raven; e Os Filósofos Gregos – De Tales a Aristóteles, de WK.C. Guthrie.

Como começou a interessar-se por este tema?

Acerca da filosofia grega em particular, o maior responsável pelo meu interesse é o filósofo António de Castro Caeiro. E, posteriormente, também o filósofo Mário Jorge de Carvalho. O interesse pela filosofia grega vem depois do interesse pela filosofia contemporânea.

Tem algum filósofo favorito, ao qual regresse sempre?

Vários, mas indico apenas três: Platão, Kierkegaard e Heidegger.

Além de ensinarem pela palavra, os filósofos gregos também ensinavam pelo exemplo? Podemos aprender com as suas vidas, através, por exemplo, dos livros de Diógenes Laércio?

Diógenes Laércio não foi um filosofo, mas um historiador, embora tenha escrito a biografia de vários filósofos gregos. A questão da palavra é uma questão central na filosofia grega, não só por ser o seu motor propulsor, como também pelo facto de ser através dela que se pensa. Na filosofia, a palavra é simultaneamente sujeito e objeto. Aprender pelo exemplo foi importante para as escolas filosófico religiosas, como sejam os casos dos estóicos e dos epicuristas. O exemplo é uma prática e, acima de tudo, a filosofia é uma prática reflexiva. Por outro lado, ao estudarmos filosofia estamos a melhorar-nos. E, neste sentido, podemos afirmar que a filosofia é a mais prática das disciplinas.

Que utilidade tem aprender filosofia grega hoje?

Aprender a pensar é tão importante como aprender a fazer contas. Infelizmente, somos levados a olharmo-nos, aos outros e ao mundo, como coisas, como funções, o que nos afasta de uma aprendizagem da linguagem reflexiva. Quando Tales afirma que a água é o elemento primordial, na aurora da filosofia, ele não está a construir um sistema, está a tentar dar resposta ao que lhe parece ser um problema. Isto é, como é que pode conjugar duas evidências que parecem irreconciliáveis: a existência de tudo e o desaparecimento de tudo; ou seja, tudo parece existir, mas também tudo parece deixar de existir. Assim, como é possível o cosmos, o universo? Como é possível existirmos? Se tudo se acaba, como pode ter havido um tempo inicial, em que não havia o acabado? A resposta que encontra, lógica e experimental, ao seu tempo, é a água. Pois a água passa de gasoso a líquido e de líquido a sólido, transformando-se sempre sem que nunca se acabe. Mas mais importante do que a resposta, é aquilo que o leva a querer dar uma resposta. Há um livro que deveria ser de leitura obrigatória para todos os estudantes no final do ensino secundário ou no início da universidade: “Górgias”, de Platão. Além de ser um livro extremamente atual.

Já visitou a Grécia? Essa visita ajudou-o a formar um entendimento mais perfeito da filosofia e da civilização gregas?

Visitei a Grécia e a Turquia – a parte onde nasceu a filosofia e onde Aristóteles deu aulas. O que mais me impressionou foi a biblioteca de Celso, em Efesos, pois apesar das ruínas, ainda se consegue perceber a organização dos livros pelas diferentes matérias. Mas não se aprende nada de filosofia grega indo hoje à Grécia. Há, contudo, um lado emocional poderoso, desde o Partenon na Acrópole, em Atenas, ao Templo de Apoio, em Delfos. Sem esquecer as cidades de Troia.

 SOL